A NECESSIDADE DA DUPLA JURISDICIONALIDADE NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS MILITARES

19/01/2016 16:08

Sobre jurisdicionalidade e reserva de jurisdição:

Com o advento da Lei 12.403/11, ao lado do tradicional princípio constitucional da presunção de inocência (estado de inocência ou da não culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII, da CF/88), o processo penal brasileiro passou a enfatizar, no tema das medidas cautelares de natureza pessoal, o princípio da jurisdicionalidade.

O princípio da jurisdicionalidade impõe que determinadas matérias fiquem submetidas ao crivo do Poder Judiciário. E isso não é só no processo penal. Essa “reserva de jurisdição” aplica-se, segundo entendimento pretoriano correntio, a outras searas do sistema jurídico. Na verdade, podemos mesmo dizer que existe tanto uma reserva constitucional de jurisdição quando uma reserva legal de jurisdição. A primeira condiciona à decisão quanto à prática de certos atos à determinação de juiz, e não de terceiros, haja vista expresso mandamento constitucional assim dispondo. A segunda tem efeito idêntico – isto é, assegurar que determinadas decisões só podem ser tomadas quando submetidas ao órgão investido de jurisdição -, só se diferenciando da primeira quanto à fonte da reserva (“in casu”, a lei). (Dr Rafael Teodoro - apontamentos à luz da Lei 12.403/11).

O motivo de o autor haver delineado essa necessidade de submeter ao crivo do Poder Judiciário as matérias de direito, visa elidir os abusos e direcionamentos político das lides submetidas a determinados gestores, com poderes cogentes sobre seus desafetos.

 

Vejamos o caso do Processo Administrativo Militar:

O processo administrativo militar é a corrente mais abusiva e retrógrada do direito, confundindo o direito com a administração, e colocando leigos, inebriados pelo excesso de poder do aparato militar, em posição unilateral de exercício de segregação autorizada pelo Estado, na contramão do direito e das garantias individuais do administrado.

O policial militar (somente as praças, vez que os oficiais gozam da dupla jurisdicionalidade), ao sofrer um processo administrativo, se vê despido de toda a garantia constitucional reservada ao pior assassino, preso em flagrante delito por crime bárbaro.

 

Como assim?

Ao criminoso é garantida constitucionalmente a presunção de inocência, a ampla defesa e o contraditório, sob pena de nulidade de todos os atos processuais contra ele executados pelo Estado.

 

E ao militar estadual acusado de conduta incompatível com a função?

Lembre-se de que não estamos falando de um policial criminoso, assassino, estuprador ou psicopata, mas de um profissional de segurança pública que cometeu atos perfeitamente aceitáveis no mundo comum e que, segundo entendimento de seus comandantes, não coadunam com os ditames da caserna.

Via de regra, o militar do Estado submetido a um Processo Administrativo Disciplinar, não cometeu crime, mas sim uma transgressão disciplinar.

No estado de São Paulo, a lei que regulamenta o Processo Administrativo da Polícia Militar é a Lei Complementar nº 893/2001.

Essa lei não prevê, por exemplo, a necessidade de um advogado para defesa do acusado, contrariando o artigo 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Outro ponto extremamente negativo do Processo Administrativo Militar, é que ele não precisa obedecer a nenhum critério legal e normativo federal, nem observar a pirâmide de Kelsen, nem os preceitos constitucionais, nem a lei 8906 (Estatuto da OAB), e a sua dinâmica é tendenciosa e direcionada, não se submetendo a fiscalização de outros órgãos, contrariando o artigo 129 da CF, amparada pela emenda Constitucional nº 45/2004, interpretada erroneamente pelos administradores da PM, protegidos pelo TJM, que não pune nem ingressa regressivamente contra os abusadores do direito, ali apresentados.

A maioria esmagadora dos processos disciplinares da PMESP é tendenciosa e direcionada, sendo facilmente observadas por qualquer estagiário de direito que aos autos tenha acesso, as flagrantes violações aos direitos dos acusados.

Além das patentes violações de direito, os ritos processuais são modificados ao bel prazer dos administradores, que, sabedores da incapacidade da justiça de alcança-los, relegam a “justiça” a suas vontades individuais.

O cerne desta impunibilidade dos maus gestores, está justamente na conclusão dos processos, de cujos quais a defesa não é cientificada e nem cabe recurso, vez que após a decisão, que pode ser totalmente diferente das provas dos autos, além de  inventarem novas acusações ou desconsiderarem provas, formalidades, prazos e demais requisitos necessários, é publicada em Diário Oficial, sem direito a contestação, como se transitado em julgado fossem.

Na maioria das vezes, a publicação aponta decisão totalmente contrária ao juízo natural, sentenças baseadas em condutas das quais o acusado não se defendeu, condutas atípicas, ou simplesmente expressam a vontade não fundamentada do comandante, orientado “na surdina”, por oficiais que têm interesse pessoal na punição rigorosa do acusado, por motivos políticos, ideológicos ou morais (contrariando o artigo 5º, VIII da CF).

 

Daí a necessidade da dupla jurisdição.

Deve ser permitido ao acusado, contestar as decisões não fundamentadas, as decisões ilegais, persecutórias e direcionadas, que demitem e expulsam das fileiras da instituição, pais de família abnegados, concursados, estáveis, unicamente por posicionamento ideológico, político ou divergência de idéias.

O ato do comandante Geral deve ser contestado em última instância, ainda que seja para que reveja seus posicionamentos, antes do transito em julgado, por simples questão de justiça.

Prova de que o Comandante Geral decide errado, é o grande número de reintegrações judiciais que ocorrem no estado, gerando excessivo gasto para os recorrentes, e também para o erário, haja vista o elevado valor financeiro de um processo judicial.

Em razão da emenda Constitucional nº 45 de 2004, os recursos de decisões ilegais do Comandante Geral ficam restritos ao Tribunal de Justiça Militar, que acaba sobrecarregado com tais litígios e demora anos para julgar um processo desses, gerando uma angustiante espera por parte do funcionário injustiçado, que tem que trabalhar em dobro, para manter sua família e ainda pagar advogados, demandando por anos a fio em face do Estado.

A dupla jurisdição nos casos de processos administrativos vai reduzir drasticamente os custos do tribunal de justiça militar, dando agilidade para que julguem os demais processos, otimizando seus meios e dando uma resposta satisfatória à sociedade.

É necessário que o policial militar acusado tenha o direito de ser defendido, mesmo contra o Comandante Geral, um funcionário da PM que pode sim, cometer erros ou praticar conduta criminosa a fim de garantir um posicionamento político/ideológico.

O primeiro passo para se criar uma polícia que satisfaça a população, é educar o seu público interno nos termos da cidadania plena, respeitando os preceitos constitucionais e incentivando o respeito aos direitos humanos universais de liberdade, igualdade e justiça.

Marco Ferreira - APPMARESP